A pior corrida…

Amanhece e você olha pela janela. O dia nasce feio, frio e chuvoso. Você pensa: a corrida programada com os amigos vai ficar para outro dia. Avisa os corredores da baixa na equipe e… é hora de voltar para o conforto da coberta quente, da cama macia e do travesseiro que parece te chamar com a voz da sua mãe. Sim, você é apenas uma corredora amadora e não tem a obrigação de ir. E é isso que torna tão difícil acreditar na história de hoje.

Sente-se confortavelmente, vou relatar a minha pior experiência de corredora amadora de todos os tempos…

Ela foi pensada para ser um desafio de corrida de montanha com percurso em piso de terra batida de estradinhas rurais e com algumas subidas íngremes e tornou-se a (segundo a organizadora do evento) a maior corrida de montanha do Brasil.

Bem… Quem me conhece sabe o quanto amo natureza e o quanto percorrer lugares diferentes em meio a muito verde me traz uma ótima sensação de liberdade. E buscando justamente isso, fiz minha inscrição para a IGT23K nesse ano.

Seria perfeito… se tudo ocorresse como planejado.

O desafio, como mandava o figurino, deveria ter proporções colossais. E os organizadores capricharam. O percurso impunha aos atletas aproximadamente 10, 23 e 46km, com uma forte subida. A altimetria acumulada para percurso de 10k era de 355 metros, já para 23k era de 908 metros.

Primeiramente a pergunta, vocês sabem o que é altimetria acumulada?

Normal.  Eu também não sabia! É basicamente a quantidade de metros acumulados que você sobe verticalmente nos percursos.

Pois então… Misture tudo isso a muita lama!

O cenário, que deveria me renovar, era desanimador. Creio que São Pedro não estava de bom humor.

Tinha uma mistura de cascalhos molhados e soltos, lama, poças de água e muitos atletas ávidos pelo desafio e desesperados para correr, mas… que mais pareciam esquiar.

Sim, emocionante!

É claro que para ser considerada a pior corrida de todos os tempos, isso tudo não basta. É preciso mais, muito mais. Afinal, uma simples chuva não abalaria o meu espírito esportivo.

O ano é de 2024 (para que eu me lembre bem dessa data). Estavam inscritos milhares de atletas e apesar de não encontrar referência ao número de inscritos, sei que em média 40% devem ter desistido em meio ao mau tempo.

Ao contrário do sol escaldante nascendo no horizonte de Igaratá, o que se viu foi uma chuva (esperada) numa manhã que deveria ser primaveril. Da próxima vez que eu estiver com preguiça de levantar da cama pra ir a uma corrida, lembrarei deste dia 24 de março de 2024.

Thaiany Boneti, uma fortalezense, que tem a conversa mais envolvente do grupo de corrida que eu participo, levantou-se da cama cedo. Tinha estado por apenas uma outra vez nessa corrida de Igaratá e conhecia um pouco o percurso que faríamos. Me ligou as 4:55 com o intuito de me despertar. E eu por outro lado, não tinha preparação, não havia feito planilhas, não sabia o que era altimetria, não sabia se teria pontos de apoio, nada. A única informação confiável era de que poderia não ter água, por isso a recomendação de levarmos a nossa própria garrafinha e os vários alertas de subidas e cascalhos escorregadios.

Os que me alertaram sobre a dificuldade, não poderiam ser mais precisos. Era uma estrada enlameada e escorregadia com corredores chacoalhando, derrapando e caindo na minha frente. Ao todo, contei seis pessoas que caíram ou na minha frente ou ao meu lado.

Por um momento parei. Congelei. Pensei em voltar, em chorar e pedir socorro, mas tudo o que pude fazer foi esperar a Thaiany que estava bem atrás de mim.

As nuvens baixas me amedrontaram e logo comecei a sentir o frio vindo da montanha. Ninguém estava realmente preparado para aquilo, se é que havia como se preparar. Conforme as pessoas passavam por mim e a chuva aumentava a estrada de terra batida entornava o caldo e formava uma lama quase intransponível.

Consigo agora, depois de todo o perrengue recordar dos detalhes: “Não muito longe do topo, eu tive que descer escorada em Thaiany e em outra amiga minha, a Roberta, porque comecei a achar que sozinha não sairia dali. Meu tênis pesava 5kg de lama (cada um), meus pés entorpecidos, minhas pernas rígidas e eu ria de desespero. Comecei a caminhar onde era possível e a deslizar onde não tinha outra alternativa.

Os glúteos vão muito bem, obrigada! Puro exercício para glúteos. Hahahahahaha.

E essa corrida não tinha mais fim, tudo o que eu via era um descampado e uma estrada cheia de lama e tudo o que eu ouvia era uma sinfonia gutural encenada por corredores e pela chuva naquele palco desolador. Eu teria ficado assustada se não estivesse na companhia dessas amigas.

O engraçado é que acreditem ou não, meu relógio, (que diga-se de passagem), especifico de corrida e totalmente carregado, parou de funcionar. Com isso, em nenhum momento, eu sabia em que posição de quilometragem eu me encontrava na prova.

Em determinado momento, ouvi barulhos de carro e deduzi que estávamos próximos a um asfalto e o céu começava a se abrir. Uma euforia tomou conta de mim e parece que algo voltou ao corpo ou talvez, algo tenha saído dele, o desespero. E eu até queria retomar a corrida, mas, dadas as condições desumanas naquele dia, o espírito esportivo não falou mais alto dessa vez.

Eram dez horas e trinta e sete minutos da manhã quando o calvário chegou ao fim, totalizando 2 horas e 22 minutos de prova, mas tive a sensação que durou mais de seis.

Creio que para as próximas edições, quando o mau tempo assolar a cidade de Igaratá na véspera dessa prova, os organizadores deveriam ser mais benevolentes e cancelar o evento. Fica a dica!

A parte boa de tudo isso é que foi a prova mais diferente que eu participei e também a única que tive tempo de dar gargalhadas… Foi a primeira prova que me fez perceber o quanto a corrida aproxima as pessoas, o quanto é um esporte coletivo e não individual, o quanto o próximo te ajuda!

Mais uma vez, Obrigada Thai e Roberta! Vocês foram perfeitas!

Não fiz meu melhor tempo. Nem mesmo posso dizer que corri. Pois caminhei 75% do percurso da prova. Mas me diverti pra valer a pena o valor da inscrição.

O que perdi em termos de competição e desafio pessoal, ganhei em apoio dos amigos, companheirismo e amizade.

É como aquele velho ditado: “Foi ruim, mas foi bom”.

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